A sexta-feira foi marcada como a data em que a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, completou dez anos. História relembrada em todo o País e trazida às páginas do Diário Popular em reportagem especial do repórter Lucas Kurz e do fotojornalista Carlos Queiroz. Por vários dias, ambos mergulharam em matérias da época e nos desdobramentos dos anos seguintes. Ouviram quem cobriu a tragédia - a jornalista Tânia Cabistany, à época no DP, que esteve na cidade junto com Queiroz -, quem sobreviveu ao incêndio, quem tinha (e tem) casa noturna e viveu os reflexos da atenção redobrada à segurança, quem se envolveu no debate sobre as normas a serem seguidas, o poder público e seus órgãos de fiscalização. Tudo isso para mostrar que, uma década depois, pouca coisa mudou.
Na prática, o saldo que um dos episódios mais traumáticos do Rio Grande do Sul e do Brasil deixou é que nem mesmo a morte de 242 pessoas por conta de uma série de negligências - do mais alto escalão da administração pública à inconsequência de quem acende um artefato pirotécnico dentro de local fechado - é suficiente para que o Estado mostre eficiência e reação à altura do que a situação exige. Neste domingo, as famílias de jovens vítimas do incêndio da Kiss completam 3.654 dias à espera de algum desfecho para o caso. Individualmente, cada pai e mãe, cada familiar ou amigo daquelas pessoas tem a compreensão de quem é mais ou menos culpado. Contudo, o Estado brasileiro, através do seu Poder Judiciário, ainda não conseguiu cumprir sua principal missão de apontar responsabilidades, definir penas e, finalmente, dar desfecho à história.
Da mesma forma, Legislativo e Executivo patinam ao fazer da legislação e da fiscalização algo incompreensível em que, no calor dos acontecimentos, age-se com rigidez e, conforme o tempo vai passando, há a flexibilização ou vista grossa. O maior exemplo disso é a Lei Kiss. Criada para ser uma resposta à grande quantidade de falhas existentes à época e que tornavam prédios e locais públicos arriscados, o conjunto de normas sequer começou a ser aplicado integralmente e, mesmo assim, já passou por flexibilização na Assembleia Legislativa.
Tomara que jamais o Rio Grande do Sul e o Brasil venham a testemunhar qualquer desgraça parecida com a Kiss. Contudo, os dez anos sem ponto final a um caso emblemático como aquele mostram que, para além da incomparável dor das famílias, marcadas para sempre por aquele incêndio, a incapacidade dos poderes públicos representa o descaso com todos, que aparentemente não podem contar com o Estado na defesa de seus interesses e, principalmente, sua segurança.
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